Consumidor repensa suas compras para driblar a inflação
A auxiliar administrativa Fiama Barros, 22, moradora do bairro de Paraisópolis, na zona oeste de São Paulo, cortou a base para o rosto da lista de produtos de maquiagem que costumava comprar.
“Eu ainda uso lápis de olho e batom, que são básicos”, afirma ela, que estuda turismo e é bolsista do ProUni.
O motivo é o aumento de outros preços, como o das passagens de ônibus e metrô, que passaram de R$ 3 para R$ 3,50. A alimentação acumula alta de 8,51% na Grande São Paulo nos 12 meses até fevereiro, segundo o IBGE.
Barros, que mora sozinha, não é a única a ter de fazer escolhas na hora de ir ao supermercado.
A economia enfraquecida e a inflação afetam hábitos de consumo da classe C, um dos motores do crescimento do país nos últimos anos.
De acordo com dados da consultoria Kantar Worldpanel, o volume total de bens de consumo não duráveis comprados por essa população cresceu 3,4% em 2014, abaixo dos 6,3% de 2013.
Desde 2010, o índice só é menor que o de 2012, quando houve queda de 1,4%. Os dados foram obtidos a partir do monitoramento semanal de 11,5 mil residências.
“Com o bolso cada vez mais apertado, o consumidor tem de fazer escolhas. Para algo entrar [no carrinho], algo tem que sair”, afirma Christine Pereira, diretora comercial da consultoria.
A cesta de compras continua crescendo, mesmo que a um ritmo menor. “As pessoas estão priorizando para não andar para trás no consumo.”
MENOS COSMÉTICOS
Entre os 13 produtos que mais perderam penetração de mercado em 2014, ou seja, deixaram de ser comprados ao menos uma vez no ano por esse público, os cosméticos e os produtos de higiene pessoal aparecem seis vezes.
Cremes e loções em geral lideram a lista, com queda de 6%, seguidos por cremes para o corpo, com 5%. Produtos para o rosto caíram 4%, deo-colônias, 3%, e tinturas para cabelo e desodorantes, 2%.
Dados da Apihpec (associação que reúne o setor) confirmam a desaceleração. O faturamento dessa indústria aumentou 11% em 2014, ante 12,1% no ano anterior e 15,6% em 2012.
Mas João Carlos Basilio, presidente da associação, afirma que o setor pode “soltar rojão” com o resultado, já que PIB brasileiro cresceu apenas 0,1% em 2014.
Ele afirma que a crise hídrica também afetou esse mercado –a categoria de itens para banho foi a que menos cresceu (7,4%).”Com o banho mais curto, a pessoa se ensaboa menos”, diz.
Para Renato Meirelles, presidente do instituto Data Popular, que estuda as classes C e D, os consumidores de cosméticos reduziram a frequência de aquisições, mas não deixaram de comprá-los.
“O creme e o hidratante estão durando mais. Os consumidores estão espaçando a compra”, afirma.
EM ALTA
Entre as dez categorias que mais ganharam espaço em 2014, oito não costumam estar no carrinho da classe C. Elas têm menos de 70% de penetração, portanto, é mais natural que registrem taxas altas de crescimento.
Entre o que perdeu e o que ganhou, há substituições mais claras: o iogurte grego teve aumento de 24% nessa classe em 2014, enquanto o petit suisse (produto estilo Danoninho) caiu 4%. O pão caseiro perdeu 3%, ante alta de 5% do industrializado.
“Antes a gente vinha só crescendo, em penetração, volume médio e frequência de compra. Agora há uma racionalização”, diz Pereira.
Segundo pesquisa feita em fevereiro pelo Data Popular, a principal atitude dos membros da classe C para economizar não é cortar produtos, mas sim adotar marcas mais baratas –essa foi a opção de 41% dos 3.050 entrevistados.
É o que Fiama Barros também está fazendo. O xampu foi trocado por outro, cerca de 40% mais barato. “Não é o que eu queria, mas pelo preço é o que compensa.”
O malabarismo tem o objetivo de reduzir gastos para que ela não precise cortar o que de fato é importante, como os R$ 350 do curso de inglês, necessário para que consiga trabalhar com turismo. “Esse é o essencial.”
Fonte: Folha UOL.